Jan[diro] Adriano Koch – Núcleo de Diversidade: O Núcleo de Diversidade do DCE Univates vem se propondo a falar sobre a questão LGBT trazendo questões ligadas ao Vale do Taquari, porque, na região, é um campo em aberto para ser estudado. A primeira pergunta, então tem a ver com saber de onde você é…

Rodrigo Mattos: Nasci em Lajeado, em 1996. Morei aqui minha vida inteira. Aos 18 anos fui para Porto Alegre, onde conheci o meio LGBT. Ainda vou de ônibus para a Unisinos todos os dias.

Jan: Você começou a se envolver com a temática LGBT em Porto Alegre?

Rodrigo Mattos: Tem muita movimentação sobre isso lá. Coisa que você não vê por aqui. Quando fui morar lá, conheci a militância. Foi quando comecei a pensar. Eu estava vivendo aquilo lá e não via isso acontecendo por aqui. Eu pensava ‘meu, eu preciso levar isso para lá, preciso fazer essa galera conhecer isso’. Comecei com os meus amigos […] a mostrar o que era, a mostrar como aqui a gente ainda estava parado no tempo.

Jan: Voltando um pouco para a biografia. A tua vivência aqui no Vale, tendo nascido em 1996, foi mais tranquila do que a de homossexuais de gerações anteriores, dos quais ouvimos relatos sobre permanecer no armário e dificuldades variadas com a família, entre outras problemáticas?

Rodrigo Mattos: Eu acho que para os da minha geração foi mais tranquilo, mas ainda foi muito complicado […]. Eu vi amigos meus assumindo, apanhando em casa, tendo que sair, sendo enxotados […]. O Vale do Taquari ainda é extremamente homofóbico, mas a gente está começando a ‘mexer os pauzinhos’ para mudar isso, usando as tecnologias para isso e [a gente] está na luta.

Jan: O que a população LGBT faz para se organizar politicamente ou para socializar na região?

Rodrigo Mattos: Bom, eu sei desde sempre que tinha alguma coisa diferente, que [eu] não era aquele modelo padrão. Eu sabia que eu gostava de meninos [na escola]. Eu fui falando para os meus amigos, alguns viraram a cara para mim. Meus pais não sabiam, eles frequentam uma igreja evangélica. Nessa época de descobertas a gente vai se identificando, [e] acaba criando um grupo [de amigos] que fortalece. Isso era maravilhoso. Eu comecei a frequentar as festas GLS – como a gente chamava na época -, as “Groove” organizadas pela Vanessa Vanzin na Magic [boate de Lajeado/RS]. Ali foi meu primeiro contato com pessoas iguais a mim, que moravam em outras cidades, que vinham de van. Foi muito natural eu entender que isso acontecia, que não tinha nada demais, que eu tinha que contar para minha família e ficar tranquilo.

Jan: E a família ficou para quando?

Rodrigo Mattos: Um dia eu fui no shopping [de Lajeado]. Eu estava conversando com um garoto quando meus pais chegaram. Eles entraram e me viram com ele. Eles estavam com uma cara tenebrosa. Entrei no carro [dos pais]. Eles achavam que tinham errado [em alguma coisa]. Isso durou mais ou mesmo umas três horas, a gente andando de carro por Lajeado. Eu só sabia chorar. A gente chegou na casa da minha irmã, uma pessoa bem para a frente e com muitos amigos LGBT […]. Acho que a minha irmã deve ter aberto os olhos deles e, no mesmo dia, eles pediram desculpas, falaram que aquilo não precisava ter acontecido, que eles me aceitavam. Isso foi em 2012. Desde então minha convivência com eles melhorou 200%. Eu sou muito aberto com eles hoje em dia, coisa que na minha infância eu não era, porque eu tinha aquele sentimento de que ‘meu Deus, eu tenho alguma coisa de errado, mas eu não posso falar para eles’. Eu não tinha uma relação de conversar, de falar as coisas que eu sentia. Depois que eu me abri com eles, hoje em dia, nossa, […] são meus melhores amigos.

Jan: E a politização? Ela inicia quando e por que meios?

Rodrigo Mattos: O que eu conhecia da luta LGBT era aquele discurso de ‘homofobia não!’. Não conseguia entender que a ‘lgbtfobia’ é uma coisa sistemática. O tempo todo as pessoas são homofóbicas em potencial. Quando fui entender isso, comecei a ‘me ligar’ que a militância era muito importante, porque a gente tinha que começar a quebrar isso. Em Porto Alegre, meu primeiro contato com militância foi na Marcha das Vadias, que levanta a pauta do feminismo. Eu comecei a ‘sacar’ que além de sofrer a homofobia eu poderia ser um machista em potencial. Passei a questionar, porque todas as pessoas podem ser opressoras. [O conhecimento que tenho] das terminologias vêm da internet […], eu não tinha uma convivência com gente que falava disso […] acho a internet um meio maravilhoso […] a gente tem que aproveitar ela.

Jan: Quando veio a ideia de criar um Coletivo LGBT em Lajeado?

Rodrigo Mattos: Eu voltei de Porto Alegre em 2015. A ideia surgiu depois de um ano aqui. Eu vivi toda a luta lá. Aqui as coisas estavam muito paradas. Um belo dia fomos em uma festa, aquele caso do All In Pub[1]. Aconteceram várias atrocidades, eles foram homofóbicos, machistas e violentos. A gente tentou segurar aquele problema. A gente não conseguiu fazer nada com nossa identidade pessoal, [então pensei] ‘vamos criar um coletivo’, a gente vai fazer eles nos ouvirem.  Foi isso. As coisas começaram a acontecer.

Jan: Dá para dizer que o Coletivo de Mulheres do Vale do Taquari foi uma inspiração?

Rodrigo Mattos: Sim. A gente já tinha ido em bastantes encontros do Coletivo de Mulheres, tinha entendido a dinâmica delas. A gente estava vendo que aquilo estava adiantando.

Jan: O que o Coletivo conseguiu fazer até o momento?

Rodrigo Mattos: Fizemos um grande encontro [logo depois do caso All In Pub]. Fomos para o Ensaio Geral [em Capitão/RS], que é um festival de arte, cultura e música. Lá tivemos um retorno muito legal. Depois disso começou a ficar mais inativo.

Jan: Os ‘coletivos’ funcionam, talvez, por demanda. Caso aconteça alguma coisa, vocês voltam?

Rodrigo Mattos: O nosso coletivo serve, por enquanto, como plataforma de denúncia [na internet], para veicular conteúdo. Eu e o Victor [Alan Gomes] tentamos compartilhar o máximo de coisas sobre a questão LGBT. Encontros não estão fluindo, mas acredito que seja somente uma fase.

Jan: Vamos para a autocrítica. Tu tens muito contato com gays e lésbicas. Existe necessidade de autocrítica, carência de politização ou disputas intragrupo LGBT, que precisam de atenção? Uma necessidade de amadurecimento…

Rodrigo Mattos: Sim. Rola muita briga de ego dentro da militância. Gente que tem pensamento [de] rei, que não se autocritica, que acaba falando um monte de baboseira. Discussão sem teoria é senso comum […]. O debate ainda é muito elitista. Quem está na faculdade, quem tem tecnologia tem muito mais acesso. A gente está aqui discutindo, mas as travestis que estão trabalhando no Parque dos Dick [ponto de profissionais do sexo em Lajeado/RS] talvez nem tenham noção disso.

[1] “Um grupo de jovens organiza protesto contra o All In Pub devido a confusões que ocorreram durante uma festa no sábado, dia 27. Conforme eles, a manifestação visa a demonstrar o repúdio a atos de violência, machismo, sexismo e homofobia supostamente praticados por seguranças do estabelecimento”, diz matéria publicada pelo jornal A Hora de 03/09/2016. Link: http://www.jornalahora.com.br/2016/09/03/confusao-em-festa-motiva-manifestacao/

Os diálogos fazem parte de  entrevista realizada no dia 14/03/2017. A reprodução em impresso (jornal/livro/revista…) fica condicionada à citação da autoria e solicitação por escrito. Contatos: nucleodiversidadedceunivates@gmail.com ou jandirokoch@gmail.com .